Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Nono exercício de atenção plena na respiração

 

A nossa mente é feita de partículas. Atualmente, na física moderna, falam sobre matéria, que a realidade é feita de partículas subatômicas. Na psicologia budista falamos sobre consciência, mente em termos de formações mentais. Elas são partículas muito pequenas que compõem a nossa mente. 'Formação' é a tradução da palavra samskara. Qualquer coisa que é formada, como uma flor é uma formação. Muitas condições têm de se juntar para formar uma flor, para se manifestar como uma flor.

 

Nós vemos a luz do sol, a chuva, a nuvem, o solo... Nós vemos muitas coisas que se juntam e permitem que a flor se manifeste na forma de flor. Portanto, qualquer coisa que é composta, feita de diferentes elementos, é chamada de formação. Essa almofada é também uma formação, ela é constituída de vários elementos. O sino é uma formação. O marcador é uma formação, uma formação física. E a minha mão é uma formação. Ela é uma formação fisiológica. E a minha raiva e medo são uma formação mental. Portanto, a mente é feita de formações mentais, como um rio que é feito de gotas d'água.

 

Na tradição budista, falamos de 51 categoria de formações mentais. Existem as saudáveis como compaixão, amor, não-violência, bondade amorosa, consciência plena. Muitas boas formações mentais. Existem formações mentais não saudáveis como: medo, raiva, desespero, discriminação e assim por diante. E há aquelas que podem ser positivas ou negativas, como pensar. Pensar pode ser bom, como no caso do Pensamento Correto. Mas pensar pode ser negativo. O meu pensamento pode levar ao suicídio. Pensar pode levar a compreensão e a compaixão. Portanto, existem formação mentais que podem ser boas ou ruins.

 

Quando eu era um estudante, do instituto budista, eu tive que memorizar todas as 51. E quando uma delas se manifesta, eu tenho que ser capaz de nomeá-la, reconhecê-la e chamá-la pelo seu verdadeiro nome.

 

Portanto, o nono exercício é: onde houver uma formação mental se manifestando, você ser capaz de reconhecê-la e chamá-la pelo o seu verdadeiro nome. Suponha que a raiva se manifeste, você diz: "Olá raiva! Eu conheço você. Você é uma formação mental e eu reconheço você."

 

Na psicologia budista, nós falamos da consciência em termos de armazenamento e mente. Consciência mental e consciência armazenadora. A consciência armazenadora é um tipo de consciência que tem o poder de receber as informações, de processar as informações e armazená-las. Ela sempre está lá, com o corpo. E na consciência armazenadora existem sementes. 'Sementes' é um termo técnico na psicologia budista, em sânscrito a palavra é bīja.

 

Sementes são partículas que fazem parte da consciência. Elas estão lá na consciência armazenadora na forma de partículas, como a semente de raiva. Quando não estamos com raiva, a semente da raiva não está manifestada. Mas ela está sempre lá. Quando estamos tendo um bom momento, não temos raiva de tudo. Isso não significa que a semente da raiva não está em nós. Se alguém vem e toca ela, alguém vem e diz ou faz algo, e rega a semente da raiva em nós, a semente se manifestará aqui em cima, no nível da consciência mental, como formação mental.

 

A raiva é uma formação mental, e aquela energia da formação mental de raiva pode permanecer por um tempo na consciência mental ou não, dependendo da nossa prática. Como um bom praticante sabemos, que se você permitir a formação mental da raiva permanecer na consciência mental por muito tempo, ela brotará. Portanto, um bom praticante não tenta suprimir a energia da raiva e empurrá-la para baixo, para a consciência armazenadora. Porque se você tentar suprimi-la ou empurrá-la para baixo, e isso não funciona. Ela sobe novamente e mais forte.

 

Então, empurrá-la para baixo é tentar estabelecer um tipo de barreira entre as consciências, prevenindo que ela suba. E essa é a maneira que muitos de nós faz. Quando o medo, raiva, solidão se manifestam na consciência mental, sentimos que a paisagem da consciência mental não é bela, não é prazerosa. Por isso tentamos suprimir, e a maneira comum é consumir. Muitos de nós abrimos a geladeira e pegamos algo para comer, sem mesmo estar com fome. Nós estamos comendo para esquecer, para nos ocupar e não ter que confrontar, tocar uma formação mental de raiva, medo ou solidão. Ou podemos ligar a televisão para assistir algo. Isso é abafar, cobrir, suprimir. Muitos de nós fazem isso em nossa vida diária. Pegamos nosso carro e vamos a algum lugar, ou pegamos o telefone e falamos com alguém. Tentamos ignorar e o supermercado nos oferece muitos meios para nos ajudar a suprimir essas formações mentais que estão prestes a subir.

 

Como na nossa vida diária estamos alimentando-as, elas estão ficando mais e mais fortes, e se elas estão fortes, naturalmente forçam para cima, para a consciência mental. Mas se você as suprime durante o dia, elas surgirão durante a noite, nos seus sonhos. Muitos de nós, na sociedade, não conhecemos a prática e é por isso que tentamos suprimir consumindo.

 

Dessa forma criamos uma situação de má circulação na mente. Quando a formação mental não circula bem, sintomas da mente doente podem aparecer. E é por isso que não é bom estabelecer uma barreira entre as consciências. É bom deixá-las surgir.

 

Se você é um bom praticante, convidará a semente da atenção plena a subir da consciência armazenadora até a consciência mental. Todos nós temos as sementes da compaixão, concentração, compreensão, compaixão, bondade amorosa e alegria. Temos que fazer bom uso delas, e dar uma chance para elas surgirem. Isso é o que um bom praticante faz.

 

Quando vamos a um retiro como esse, damos várias chances a elas. Quando ouvimos uma palestra do Dharma, a chuva do Dharma rega a semente de plena atenção e ela aparece muito facilmente. Elas nos dão alegria, felicidade e assim por diante.

 

Portanto, um bom praticante quando nota que as sementes da raiva ou do desespero surgem, não as tenta suprimir, mas começa a respirar conscientemente e caminhar conscientemente, gerando energia para a atenção plena se manifestar. Porque a atenção plena é também uma formação mental, uma das boas. Portanto, com a formação mental da atenção plena, podemos reconhecer e abraçar a formação mental da raiva ternamente.

 

Nós não lutamos. Atenção Plena não é lutar ou suprimir a raiva. Atenção Plena é cuidar bem da raiva, abraçar a raiva ternamente como uma mãe segurando o bebê dela. Qualquer bom praticante deveria ser capaz de treinar nós mesmo a fazer: "Olá minha pequena dor, eu sei que você está aí. Eu cuidarei bem de você." E faz caminhada meditativa, meditação sentada, respiração consciente. É uma espécie de canção de ninar para a formação mental da dor.

 

Após ter sido abraçada pela energia da Atenção Plena, a formação mental perderá uma parte de sua força. É como cuidar de um bebê. Sendo abraçado por uma mãe amorosa, ele sofre menos, e pode parar de chorar. Portanto, a formação mental, após ter sido abraçada pela energia da Atenção Plena, descerá novamente para o seu local de origem perdendo apenas um pouco da energia dela. A qualquer momento que as formações mentais negativas se manifestem, você deve fazer algo. E não é suprimindo e lutando, mas convidando a energia da Atenção Plena, concentração e compreensão a surgirem e cuidarem delas.

 

É como se essa formação mental estive tomando um banho de Atenção Plena, tomando um banho de concentração, antes de descer para a consciência armazenadora. Se soubermos como fazer isso, restauraremos o estado de boa circulação em nossa psique e os sintomas da mente doente desaparecerão após algumas semanas. Portanto, o nono exercício é se tornar consciente de qualquer formação mental que se manifeste da consciência armazenadora para a consciência mental incluindo as negativas.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh, em 30 de setembro de 2011 – transcrito do vídeo do YouTube (https://youtu.be/P1Ow32sq0ko)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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